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vitória porto 

Escrita como fissura e resíduo


sobre “sopros” em Palavras, imagens e escritas da memória: fricções entre a psicanálise e a arte contemporânea

”Para que o objeto seja gravado pela palavra, certo esvaziamento deve ser produzido, processo que não se materializa sem deixar um rastro. A serragem que se esvai como possibilidade de algo ser inscrito marca uma dimensão da escrita que não está na interpretação, mas justamente em seu entremeio. Resíduo de uma palavra, da caligrafia – para serem visíveis na madeira, é preciso que um processo de extração as atravesse, como se estas fossem retiradas de um lugar e transpostas para outro em uma outra forma que não o do alfabeto convencional. Na série, tornar a serragem objeto é torná-la, também, escrita. O que fazemos diante da sua presença nessa dimensão? Amauri preserva esse resto que demarca um território de impossibilidades da linguagem: talvez possamos exercitar as possibilidades em torno disso.

Nos aproximamos, com sopros, à plasticidade que o signo pode assumir. Nos lembramos, também, da lembrança de um sonho como resíduo de um trabalho (FREUD, 1900), construção esta que se ancora justamente no fato de que palavras não são unívocas. Ao contrário, do sem sentido que as atravessa emerge sua plasticidade. Tratadas como coisas, na formação do sonho as palavras podem abrir-se para representações múltiplas, e a interpretação, o trabalho de torná-las texto novamente, novas reescritas são possíveis de serem realizadas. Amauri nos dá pistas de que escrita estamos tratando e buscando nesta investigação: da experimentação que parte das invisibilidades e dos indizíveis, daquilo que rasga a pretensão de se achar uma significação totalizante, são produzidas possibilidades de olhar, percorrer e brincar com o fugaz da palavra. Assim como o recordar parte de fragmentos de tempos, cenas, experiências, sua escrita também deixa restos – talvez essa seja a condição para que algo possa sempre ser escrito novamente.”